Governança territorial: a convivência da gestão da agricultura familiar e a energia eólica
Território. Desenvolvimento. Gestão Social. Gestão Estratégica.
A ocupação territorial no semiárido brasileiro por empreendimentos de geração de energia
elétrica por fonte eólica esteve em expansão na última década e, diante das transformações
que essa atividade produtiva traz para populações rurais em áreas de agricultura familiar, tem-
se uma dinâmica relevante para o desenvolvimento territorial. Esta pesquisa partiu do
questionamento se a relação estabelecida entre os agricultores familiares e a indústria eólica
acerca da implantação dos empreendimentos eólicos tem potencial para ocorrer de forma a
gerar consensos sobre os rumos do desenvolvimento do território. Parte-se do pressuposto de
que esses sistemas produtivos possuem diferentes lógicas de gestão a depender de suas
intenções para a sociedade, o que torna as decisões sobre o território uma arena de contatos
entre enclaves sociais baseados em princípios distintos, potencializando contradições,
conflitos e hegemonias. A concertação social, nesse contexto com vistas a atingir objetivos
para o bem comum numa perspectiva de coprodução do território, é viabilizada através da
Governança Territorial, idealmente baseada na Gestão Social a partir da participação de
organizações, instituições e agentes da sociedade, da iniciativa privada e do Estado. A
pesquisa teve como objetivo compreender a forma de Governança Territorial derivada do
diálogo entre a gestão estratégica das eólicas e a gestão social dos agricultores familiares. Este
trabalho parte de pesquisa bibliográfica e de campo na Vila Amazonas, em Serra do Mel/RN,
com realização de entrevistas com seis agricultores familiares proprietários de terras e com
contratos de arrendamento firmados com a empresa Voltália. No que se refere à interação
desses diferentes sistemas produtivos e suas lógicas de gestão destaca-se que a atuação dos
agricultores familiares a partir da lógica social foi determinante para o direcionamento de
ganhos para o bem comum. Ou seja, a orientação pelos princípios da Gestão Social nesse
contexto serviu de meio para maior proteção da sociedade à hegemonia do mercadocentrismo
que rege as empresas produtoras de energia, direcionando alocação de mais resultados para o
bem comum. A estrutura de governança que se formou foi restrita à auto-organização
mediante negociação entre empresa-comunidade e se constituiu durante o processo decisório
sobre a ocupação territorial. Isso se deu mediante ausência do Estado, o qual teria a
incumbência de conduzir e induzir processos de Governança Territorial. Entende-se que,
mantidas a forma predominante de negociação a partir da qual ocorreu o processo de
ocupação do território de agricultura familiar pelo sistema de produção de energia eólica na
Vila Amazonas, limita-se possibilidades de geração de consensos acerca do desenvolvimento
do território. Essa situação é reforçada pela ausência do Estado em mediar processo de
governança que abrangem esse tipo de contexto, em integrar efetivamente a política de
transição energética com a política de desenvolvimento territorial ao passo que se limitou a
facilitar a ampliação da cadeia produtiva energética pela oferta dos territórios com potencial
eólico para investidores. Apesar da indústria de produção de energias renováveis, como no
caso da eólica, se alinhar ao mercado internacional e atender a uma demanda material
capitalista, a experiência observada mostra que a comunidade organizada obteve maiores
ganhos, destacando-se a obtenção de maior percentual pago pelo arrendamento de terras em
comparação com outros contratos da região, o que repercute em mais renda para a população
local; e a negociação coletiva dos contratos, promovendo o pagamento de valores pela
produção eólica mesmo referente a lotes sem aerogeradores instalados e, inclusive,
diretamente à associação comunitária local. Isso não contraria a ideia de que a indústria eólica
concretiza a expansão capitalista no campo por meio da apropriação territorial. Mas, indica
que a organização da sociedade impactada pode ser a chave para superar os principais
problemas decorrentes da ocupação territorial pelas eólicas.